terça-feira, 17 de abril de 2012

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Gotas da Índia

A filosofia, lá longe, desde os gregos, sempre se questionou até onde a gente pode se fiar nos sentidos para conhecer as coisas.  Como, na Índia, verdade existe para ser desmentida, a gente desiste de conhecê-la, e fica só com os sentidos. Isso parece resolver a questão, parece - ah, se ao menos os sentidos nos dessem algum conforto!  Nem isso: a gente frequentemente não só duvida do que está vendo, mas duvida da própria percepção - eu estou realmente vendo? Na Índia, as sensações são sensacionais – de assombrar gregos, Descartes, e quantos mais falarem em nome da razão. A gente diz e rediz: a Índia é mesmo incredible, parece não existir. E essa sua incredibilidade arrasta de roldão nossas aparentes certezas: a gente se vê desamparado, sem saber que rumo tomar, no meio do caos. Ou melhor, do trânsito da Índia.

Já falamos um pouco a esse respeito. É só chegar, se deparar e se assustar. Mas depois do susto inicial – o primeiro, o segundo, o terceiro - a gente vai aos poucos se familiarizando e disputando o asfalto, corpo-a-corpo, com tuc-tucs, ônibus, carros, bicicletas, burros-sem-rabo, cabras, vacas e quem mais vier. De vez em quando, elefante e camelo entram no páreo também. O trânsito na Índia é o fluxo de tudo e de todos, numa condensação barulhenta e trepidante de tempo e espaço:  o aqui e agora é a ordem natural da circulação. 


Em qualquer metrópole do mundo, imaginar um só cruzamento sem sinal de trânsito, já é suficiente para provocar um colapso urbano, um tumulto absurdo. Literalmente absurdo - ab surdus, que provoca surdez. Na Índia dos sinais de trânsito quase inexistentes, do aqui e agora valendo para todos - humanos, veículos, animais - como única lei do asfalto, dos para-choques de caminhões onde se lê: PLEASE HORN ou BLOW HORN (Buzine), pode-se imaginar o quão absurdo, ensurdecedor, o trânsito é. Porém, mais absurdo do que as buzinas, de ensurdecer verdadeiramente qualquer razão, é isso: no trânsito caótico da Índia, a gente não vê batida, atropelamento, briga, discussão, insulto, sequer um palavrão. (!!!) Enigma dos mais assombrosos: a (des)ordem civilizada do trânsito indiano.  


Razão, onde estás que não responde?  


Blow Horn: buzine



5 comentários:

Anônimo disse...

Quem já disse que a razão cartesiana preexistia a uma civilização indiana milenar ?
Está aí a prova, dada em alta medida, por você, na hora que você reflete sob certos objetos
não identificados de tua perplexidade...
Adorei o teu "ab-surdum", prova esta que nós, os ditos civilizados(?),
é que somos surdos há milênios sob formas de organização social
que fizeram o sucesso da filosofia oriental... mesclada às vezes com miséria, mas também com muita sabedoria de que nenhum filósofo grego pode
se vangloriar !
Como o ilustra o desmoronamento social, econômico e simbólico atual !
Isso se chama em linguagem lacaniana: " savoir y faire ".
Como é que você traduz isto pra mim ?

Beijos, e até breve.
Marie christine

Claudio Pfeil disse...

MC

Agradecemos seu comentário.
Em relação à tradução de "savoir y faire" chez Lacan: haver-se com.
Analiticamente dizemos em português, por exemplo: é preciso haver-se com seu sintoma.

Anônimo disse...

Adorei teu comentário, Claúdio. Estamos feitos pra nos entender , não é ? Analiticamente, claro !
E amigos de verdade, por causa disto.
Beijos, e até breve.
Marie Christine

Marcio_Almeida disse...

Um bom momento para recomeçar...

dani cor de rosa disse...

Essa logica subversiva indiana me fascina. Gestos, olhares, costumes, palavras que nos tira do eixo, pondo em cheque nossas convicções preexistentes, mostrando que tudo pode ser entendido de outra forma.
Arrasou na analise.