terça-feira, 27 de março de 2012

4

Lições à mesa indiana (11)


Lição 11:

Garçons, simplesmente. Ah, como esquecê-los? Fazem-nos provar como ninguém a elasticidade do tempo e a relativa ordem das coisas, tema de nossa lição 3. Esperar é preciso; paciência, a melhor guia; uma pitada de humor, nada mais salutar. Nem sempre o serviço é a contento, e não raro - havemos de confessar - somos tentados a protestar no grito e na marra: ninguém é de ferro. Os garçons também não: mas são afeitos à solicitude, à fala mansa, à sandália que se arrasta, ao leva e trás devagar dos objetos, um a um, como peças de um leilão - primeiramente um bule, depois uma xícara, uma colher que faltou, um pires que se perdeu no caminho, um açucareiro esquecido lá dentro. Nesse suceder de incertezas sem pressa, tudo acaba se arranjando.

E nós, aprendendo - dia a dia, pouco a pouco – a por de lado nossos padrões e exigências habituais em razão de uma consciência muito simples: a maioria dos indianos que nos serve não tem nenhuma formação, muito menos a de garçom. Portanto, por pior que o serviço nos pareça, em geral ele está sendo prestado por uma pessoa muito humilde, beirando a submissão, de pouca ou nenhuma instrução, mas quase sempre de boa-vontade, bem humorado, e com um olhar que só vemos na Índia. O que a faz já merecedora de nosso respeito e gratidão.

Um garçom trouxe-nos um cappuccino à mesa: xícara transbordando, pires derramado, colher afogada. Olhei para ele, dedo apontado para a xícara, pedi-lhe:

- Could you please change the cup?
Ele, surpreso, olhou para a xícara e perguntou:
- What?
Repeti:
- Could you please change the cup? Please…
Sem entender a razão do meu pedido, olhando para a xícara sem ver o que eu via, o rapaz indagou:
- Why?
- Don´t you see the cup? – insisti.
- Yes Sir... why?

Nesse instante - o instante de um por que indefeso, ingênuo - a xícara derramada já não tinha tanta importância para mim. Passei a ver a Índia de forma diferente. E a mim mesmo também. 

No final das contas, todo mundo tem razão: a lua é sempre vista de algum lugar, mas não está em nenhum deles. O universo é sem verdade, rico de verdade.

Khajuraho

4 comentários:

Rohit disse...

The first paragraph with the behavioral description is awesome..

Good sketch drawn ...Truesome awesome ...!!!

Anônimo disse...

Será que tenha sido, aquela tua viagem na India, uma viagem iniciática ?
Viagem nas desilusões ? ou na vida melhor entendida,
pelo lado do essencial: da essência talvez ?
Percorrendo a distância entre o Ser e a Existência ?
que foi redimensionando pouco a pouco
os teus valores ? os teus preconceitos,? a tua visão da vida ?
e dos homens no meio disso tudo ?
Será ????

Uma experiência cujo resultado reflexivo e escrito
demostra que : valeu !
E como diz o Fernando Pessoa:

"Sempre vale a pena
Quando a alma não é pequena !"

Beijos,
Marie-Christine

Rohit disse...

Marie-Christine, Vous avez tout à fait raison!!!

C'est tout dans notre coeur que nous devons amorcer de tels efforts.. Vraiment dit, l'esprit, le coeur et les compétences sont ce qui est nécessaire pour voyager et apprendre d'un tel super voyage..


Rohit

Neicir disse...

Primo! Não tenho comentado teu diário, mas um coisa é certa,tenho "viajado" e aprendido muito com ele.Beijo grande