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sexta-feira, 30 de março de 2012

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Lições à mesa indiana (14)



Lição 14:

Uma lição crucial: a higiene. Na Índia, para quem viaja por muito tempo, é impossível ficar cheio de dedos, melhor ainda não tê-los, senão acaba morrendo, cheio de dedo e fome. O que se costuma chamar de higiene, não é o forte daqui: ponto final. Não é preciso perder tempo epilogando sobre isso: chover no molhado para quê? Vale a lição de nossa guia cor-de-rosa: “Se vocês sentirem que é para comer, vocês comem, se sentirem que é para beber, vocês bebem... Sentiu? Vai lá e toma! Entrega para Ganesha”. Certíssimo: na Índia tem que ser assim mesmo. Na maioria dos restaurantes, se a gente for primeiro ao banheiro e, se calhar, no meio do caminho, der uma espiadela na cozinha, perde o apetite. Para minimizar riscos, fazer o pedido antes pode ser astucioso: no caso de perder a fome depois, a comida já foi pedida. E sejamos realistas: um naan quentinho e uma cumbuca de arroz basmati sobre a mesa, são suficientes para reabrir qualquer apetite. Até os mais enjoados.

Proteção dos deuses à parte, precaução nunca é demais. Lavar as mãos também não. Claro que não é possível viajar com uma torneira do lado, até porque na Índia, a água vem mais facilmente do poço. Fazer o quê? Um francês companheiro de voo, ao despedir-se de nós, tirou do bolso um pequeno frasco e fez-nos dom benfazejo:

- Tenez, c’est pour vous...vous en aurez besoin.

Precisar? A gente só não fazia ideia do quanto: um líquido purificador de mãos, de fabricação indiana, cujo perfume e refrescância são tão deliciosos, que toda vez que o utilizamos, não resistimos em pousar a palma das mãos sobre rosto, nem que seja por alguns segundos: dá quase para levitar. Vende-se em qualquer farmácia. No rótulo vem escrito: mata 99.9% dos germes: 0.1% a gente entrega fácil para o Ganesha. É de grande valia: antes de levar qualquer coisa à boca, que tal uma purificaçãozinha? Ritual dos mais elevados: a Índia nos conclama à purificação, especialmente após o manuseio das notas de menor valor – dez, vinte, cinquenta rúpias – enegrecidas de sebo, parecendo se desintegrar. Na confusão da bagagem em Chennai, acabamos perdendo o francês de vista, sem pegar seu contato. Somos-lhe tão gratos que, na impossibilidade de fazê-lo diretamente, prestamos-lhe aqui homenagem, divulgando o nome e a marca do produto: Pure Hands (Herbal Hand Sanitizer, Himalaya). O que parecera ser apenas um mimo fresco e perfumado do francês, acabou virando uma companhia indispensável: a gente não dá um só passo na Índia sem o Himalaya dentro do bolso.

O melhor de tudo, acredite quem quiser: flora e fauna intestinais na mais perfeita harmonia.

E a Índia toda em nossas mãos - com seus milhares de deuses e germes - do jeito que ela é.

Lava louças no hotel em Khajuraho


Purificador de mãos: companhia indispensável



quarta-feira, 21 de março de 2012

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Lições à mesa indiana (9)


Lição 9:


Os indianos parecem gostar muito de doces: nas ruas, carrocinhas trafegam vendendo montes deles, enormes tachos ricos em açúcar, cores e calorias são raspados sem parar. O interessante é que, na Índia, doce não é propriamente uma sobremesa, faz parte dos rituais do dia a dia. O chá, por exemplo, é frequentemente acompanhado de um docinho, um sweet sombu que seja. Ir à casa de alguém de mãos abanando não faz parte da cultura local: doce é sempre bem-vindo. Nos templos, nem se fala: deuses adoram um docinho. Noivou? Vai se casar? Nasceu? Conseguiu um emprego? Comprou um carro? Casa nova? – tudo passa pela distribuição de doces.
Curiosamente, apesar da fartura de frutas na Índia - principalmente manga, banana, mamão, e nas regiões costeiras, coco – os confeiteiros indianos parecem fazer pouco uso delas. Salada de fruta quase não se vê, excepcionalmente no Sul onde vende-se nas ruas. Em Goa, onde o cabo da panela tem uma certa pegada portuguesa, um cardápio propunha uma sobremesa feita com banana. Naturalmente, não deixamos passar a ocasião – esta, por sua vez, não nos deixou uma lembrança indelével. 

Que tal um ice cream indiano?  Um indiano corrigiu-nos:

- Ice cream is not from India, but kulfi is: it's quite similar to ice cream, but more dense, creamy, tasty, absolutely delicious.

Ficamos com água na boca. Até agora. Falta só encontrar: por que desígnios tal delícia em nosso cardápio nunca está? Enquanto isso, temos provado ice cream com gosto e cor tão sintéticos que na primeira colherada a gente nem lembra mais o sabor que pediu. Com exceção de uma sobremesa em Agra: sorvete de chocolate, pistache e manga, entremeado de polpudas lascas de manga. Foi-se o nome do restaurante, ficou o da sobremesa: honeymoon. Um nome como esse, difícil esquecer. 

O arroz doce – chamado kheer – é a sobremesa indiana mais popular: está em toda parte, sobretudo nas festividades religiosas, tanto hindus quanto muçulmanas. É literalmente arroz de festa.

Rasgulla - um doce originário do estado de Orissa - é também muito popular em toda a Índia: é feito de bolas de chhena (queijo fresco indiano semelhante ao paneer) e sêmola, fervidas em calda de açúcar. Normalmente o rasgulla é branco, mas pode também ser preparado com várias essências, adicionado de pistache, uva, caju, cardamomo, açafrão, que lhe dão sabores e cores diferentes; é servido frio em geral. Quem resiste a essas bolinhas açucaradas até não poderem mais? Nesse mesmo registro, há o gulab jamun, de cor escura, feito de bolinhas de queijo de búfala e sêmola, frito em vez de cozido, servido quente, imbebido em calda de açúcar aromatizada com água de rosas. Daí seu nome: gulab, em persa, “água de rosas”. Em festas de casamento e ocasiões especiais, o gulab jamun não pode faltar. Laddu também não: mais “bolinhas” (tradução literal do sãnscrito ladduka) - feitas de farinha, manteiga, açúcar e aromatizantes - as preferidas de Ganesha. Dulcíssimo paraíso onde deuses esbaldam-se também.

Há um outro doce muito famoso, o petha, originário de Agra, sempre circulando nas ruas, no vai e vem dos vendedores ambulantes: é feito com abóbora cozida em água açucarada, em seguida aromatizada com essência de rosa, cardamomo ou açafrão. Cortado em cubos, como dadinhos, parece feito para criança brincar. Nas ruas, muito pé de moleque também: chikki, feito como o nosso, com amendoim e rapadura, mas adquirindo uma variedade enorme, de acordo com os ingredientes adicionados: castanha, açafrão, coco, amêndoa, pistache, cajú, até pétalas de rosa, sementes de erva-doce, gergelim e melão. Pé de moleque, na India,  é “chikki”  mesmo.

Nesse mundo indiano de doçura, a gente dá voltas e mais voltas, até recair no mesmo ponto: nada mais delicioso e refrescante do que os iogurtes gelados com hortelã, ou um simples lassi. Os temperos flamejantes da India clamam por eles. Nós arriscaríamos até dizer que vir a India e não provar o lassi, é quase como não vir à India...

Kheer, arroz doce: o mais popular
Rasgulla
Gulab jamum: aromatizado com água de rosas
Ganesha segurando um pratinho de laddu numa das mãos
Laddu: o preferido de Ganesha
Petha: especialidade de Agra
Chikki: pé de moleque indiano
Nosso favoritíssimo lassi