quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

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4. Do Jardim de Kandy ao pudor cingalês





De Pinnawala, retomamos o caminho de Kandy. Velhas sorridentes, com  poucos dentes, vendiam rambutan - uma espécie de lichia vermelha com pelinhos verdes - estendendo os cachos pela janela do carro, que de tão lindos, acabaram seguindo conosco. Entre mata verde, coqueiros balançantes e plantações de arroz, bancas fartas em sabores tropicais - banana, mamão, tangerina, manga, coco, laranja, milho verde - coloriam a estrada intercalando-se com pequenos templos hindus e budistas, numa sucessão de tons quentes e vibrantes. Nosso motorista em sua corrida desenfreada, sempre ouvindo o tributo a Fred Mercury, conduziu-nos até o jardim botânico de Kandy, fundado pelos ingleses, a poucos quilômetros da entrada da cidade. Do portão, a perspectiva majestosa da alameda de palmeiras fez-nos lembrar às imperiais do Jardim Botânico do Rio.

Uma multidão, na maioria cingaleses, poucos estrangeiros, lotava o jardim: em bando pelas aleias, em círculos sobre o gramado, dois a dois à sombra, alguns solitários. Vegetação luxuriante: bambuzais robustos à margem do rio, araucárias compridas e sinuosas, figueiras centenárias  – as mais frondosas que já vimos, com galhos grossos em todas as direções e raízes semelhantes a tentáculos gigantes – abricós-de-macaco, cujas flores, rosadas e muito perfumadas, pendem diretamente do tronco e os frutos, redondos e grandes, parecem bolas, lhes valendo em inglês o nome ball tree.

Os abricós-de-macaco são originários da região amazônica e muito presentes na paisagem carioca, especialmente no Aterro do Flamengo e na Lagoa: uma placa nos ensinou que seu nome cientifico é Couroupitas guianensis. Por falar em macacos: um bando deles, cabeleira escovada, pálpebras sombreadas de azul feito maquiagem, fazia estripulias sobre a grama, causando sensação nas máquinas digitais. Passado o show dos macacos, um pouco adiante:

- Tá vendo lá em cima? - perguntou Marcio apontando para o alto.
- Tô sim – respondi, sem no entanto identificar as centenas de formas alongadas, pretas e amarelas, dependuradas nos galhos das árvores, feito pingentes – Muito lindo... Que frutos são aqueles? - indaguei.
- Não são frutos: são morcegos – respondeu.
- Morcegos?! - exclamei admirado, procurando ver melhor nas alturas.
- Sim, olha só: estão de cabeça para baixo, dormindo. Tá vendo? Os morcegos dormem o dia todo, à noite eles saem. Eles não enxergam, sabia? Os morcegos se orientam por uma espécie de radar e das mil espécies conhecidas, apenas três ou quatro são hematófagas, as outras se alimentam de frutas e néctar de flores. Mas não adianta: todas levam a fama de vampiro – disse meu professor de natureza, ante aquela nossa visão impressionante vinda do céu.

Entre uma curiosidade e outra a mais, um bando de pássaros brancos em revoada, canteiros de lírios, e um grupo de jovens pedindo-nos para tirar fotos com eles, atravessamos a alameda de palmeiras em direção à saída. Inverno mesmo só no calendário: tarde quente, mormaço pesado.

Nesse simples passeio pelo Jardim Botânico de Kandy, além de figueiras, abricós-de-macaco, pálpebras azuis e morcegos, saltou-nos à vista - principalmente em se tratando de uma ilha tropical - que, mesmo no calor intenso, o pudor prevalece: dos mais velhos aos mais jovens, a vestimenta é convencional e o comportamento, embora muito natural e espontâneo, não é dado a excessos nem extravagâncias. Os cingaleses são alegres, simpáticos, sorridentes e muito curiosos: olham tudo com interesse, fazem perguntas sem nenhuma cerimônia – Which country do you come from? What is your name? Where are you going? Do you enjoy Sri Lanka? -, pedem para serem fotografados, gostam de tocar, dão aperto de mão, mas apesar disso demonstram uma espécie de inocência, falta de malícia, como que educados à moda antiga. São bons de prosa, conversadores, brincalhões, mas falam baixo, não gritam, são educados e respeitosos.

As mulheres, tanto adultas como adolescentes,  invariavelmente – com raras exceções - usam saris, em harmoniosas combinações de cores; as meninas, usam “sarizinho” ou vestido, da altura do joelho para baixo. Minissaia e short, parecem desconhecer, maiô ou biquini, não existem. Os rapazes, em geral, vestem calça comprida – social ou jeans -, e camisa - preferencialmente xadrez -, manga curta ou comprida; camiseta cavada, muito raro, raríssimo; peito de fora, não vimos, só alguns grupos religiosos nos templos. Short e bermuda, mesmo à beira-mar, não usam. Sunga, só estrangeiros. Sandálias de couro são preferência nacional: todo mundo usa em qualquer ocasião. O cabelo não foge à tradição: as mulheres tem cabelo farto, liso e escuro e, invariavelmente, usam trança bem comprida, adornada com flores; fato curioso: a maioria das meninas pequenas usa corte de cabelo “joãozinho”: cabelo comprido, só depois. Os homens, igualmente de cabeleira farta, lisa e escura - careca, aqui, só estrangeiro -, usam corte padrão: curto, topete alto, costeleta aparada e, comumente, bigode. Homens e mulheres cingaleses, não ousam, pelo menos na aparência. Quando ousam, convém não demonstrar em público. Como o que vimos pela primeira vez no Jardim de Kandy, e que veríamos noutras ocasiões: um casal se beijando na boca, furtando-se aos olhares alheios, bem escondidinho, debaixo de um guarda-chuva.  Detalhe: à sombra da figueira. Guarda-chuva em dia de sol, só para beijar, deixar o beijo bem guardado: guarda-beijo.

Rambutans
Jardim Botânico de Kandy
Abricó-de-macaco: Couroupitas guianensis
Show à parte: macacos com pálpebras sombreadas em azul
Morcegos
Figueira centenária


2 comentários:

Anônimo disse...

Continuo acompanhando com curiosidade esse estranho e surpreendente país que eu não conheço.
beijos
Marilia

dani cor de rosa disse...

Que incrivel. Vcs presenciaram um beijo na boca! UAU! Eu nunca vi isso nessas tres idas a India. Tudo bem, nao foi na India, foi no Sri Lanka. Mas é quase a mesma coisa. Sortudos!