Enquanto aguardávamos à mesa o pedido que nunca chegava, uma indiana, vassoura sem cabo à mão, varria o restaurante, rente aos nossos pés, curvada ao chão - um movimento sinuoso para lá, outro para cá, um para lá, outro para cá - uma onda mansa e silenciosa. Detive-me nela, como viera a mim, começando por baixo, o mais próximo do chão: sandália de borracha gasta, unhas pintadas de rosa, anéis de prata em cada um dos dedos do pé, tornozeleira rendada com pequeninos pingentes. E fui subindo: sári preto, estampas geométricas em laranja e branco, pulseiras douradas nos braços, brinco no nariz e nas orelhas; a marca rubra na testa, no sulco do cabelo; a cabeça envolta pelo sári negro, cor de seus olhos. Interrompi com cuidado a ondulação varredoura no chão; num gesto de mão, pedi-lhe em silêncio que me a deixasse fotografar. Levantou-se, sem vacilar, sem palavra dizer, volteou o sári ao redor do corpo, ajustando-o com fina discrição. Ergueu a cabeça, fitou-me reto: olhos valentes, sorriso em polpa, porte elegante, natural, nobre. Aguardou serena, íntima da eternidade.
Ali, diante de mim, nem varredora, nem mulher: uma princesa, isso sim. De verdade. Não dessas intituladas, herdeiras, fingidas, molengas, soberbas, aureoladas, mas que enfrentam o duro, o seco, o áspero, o sujo, o pó, e que, por uma graça misteriosa, uma leveza absolutamente inexplicável, de tão fulgurantes, parecem ter pacto com as estrelas.
Feita a foto, curvou-se ao chão, voltou a varrer. Sua alteza, soberana majestade.
Na Índia é assim: as princesas não vêm do alto, elevam-se do chão.
E a ele retornam, porquanto este, é seu reino: princesas reinam no chão da Índia.
6 comentários:
Uma história rápida do épico indiano "O Ramayana"
Sita, a consorte do Senhor Rama, o avatar da deusa da riqueza, Lakshmi, o símbolo indiano feminista de auto-sacrifício, dedicação, pureza e verdade, na verdade era a filha da Mãe Terra. Sita foi descoberto em um sulco, quando o Rei Janaka arava como um ritual para assegurar a fertilidade da terra. Sita é simbolizada para ser o filho da Mãe Terra, produzido pela união entre o rei ea terra.
Quando seqüestrada pelo Ravana de Lanka, o Senhor Rama salva-la de volta e trouxe de volta à sua cidade, mas depois de provar sua pureza, ela foi convidada a submeter-se ao julgamento de fogo. O fogo não podia tocá-la porque ela era pura e um epítome da castidade. Mas ainda Rama abandona a Sita grávida, quando um de seus temas lança dúvidas sobre sua castidade e chamado Rama pusilânime. Sita deu à luz gêmeos Lava e Kusha, no refúgio do eremitério Sábio Valmiki. Depois que seus filhos crescem e se unir com seu pai e quando ela assegurou a aceitação de seus filhos por Rama, Sita procuraram refúgio final nos braços de sua mãe Terra. Ela implorou a Mãe Terra para libertá-la de um mundo injusto e de uma vida que raramente tinha sido feliz. A terra se abriu e dramaticamente a Mãe Terra apareceu e levou Sita embora para um mundo melhor.
Princesa de Janakpuri subiu da terra e voltou para dentro da terra simboliza a verdade, auto-sacrifício e da castidade.
Rohit
Podia ter sido na Bahia... Com turbante branco, ela podia vender acarajé que nunca notaria a diferença. O Brasil é mesmo um país de todos, pelo menos de todas as cores e sabores. :)
Abração, amigão.
Viula
Simplesmente sublime !
A observação, a princesa e a Índia cujo espírito promove este tipo de postura: sublime !
"Sublime, forcément sublime", como dizia Marguerite Duras.
MC
Claudio sua observação da Princesa Indiana foi de uma sensibilidade rara...
Quero agradecer esta postagem pois me fez ver que assim como a Kundalini se eleva do mais básico ao topo, somente princesas de verdade se elevam desta forma que vc descreveu...
Beijos
Mando-te de novo meu comentário, pois, como a Marcella,
acho que somos um certo número de mulheres a poder se
beneficiar dessa capacidade da Princesa a se elevar ao topo
da maneira como ela falou ! E meu primeiro comentário acima, já o dizia!
Beijos de novo.
MC
Realmente incrível como pessoas simples na India tem esse olhar altivo, digno, elegante.
Percepção arguta a sua.
Parabéns.
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