quinta-feira, 29 de março de 2012

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Lições à mesa indiana (13)



Lição 13:

Uma nota remarcável: de trambique, não temos estória nenhuma a contar, muito pelo contrário; vez ou outra que esquecemos algo sobre a mesa – um par de óculos, o guia, a máquina fotográfica - vem sempre o garçom atrás gritando: Sir! Sir! Mesma coisa com o dinheiro que desavisadamente deixamos cair no chão: os indianos demonstram correção. Relatos de outrem, sobre roubos e falcatruas na Índia, dirão exatamente o contrário: ouvimos vários deles. Conosco, porém, isso não aconteceu: que Ganesha nos preserve.

A conta nos restaurantes vem sempre justa, nem para mais, nem para menos. O troco também. O que, além de reconfortante, vira um passatempo à mesa: dispostos a fazer da espera qualquer coisa que não seja se aporrinhar, a gente até brinca em adivinhar o valor da conta. Quanto? - já estamos craques em acertar, embora rúpias sempre escapem: difícil é antever com precisão quando é que a conta vem.

Pode ser a qualquer hora, até mesmo quando a gente já está dormindo. Não à mesa, de tanto esperar, mas dormindo de verdade. Quarto de hotel em Mumbai, 22 horas, uma ligadinha para o room servicecould we have two lassis, please? Passado um tempo, toque de campainha: lassis sobre a mesa, o garçom vai-se embora. Depois da delícia, banho, cama e sono. Não sei que horas eram, quarto às escuras, dormíamos: toque de campainha. Provavelmente engano, pensamos; não era - o garçom, este sim: Hello Sir! – estendeu a conta, pediu para assinar. We are sleeping! Do you know what time it is? – protestei. Sorry, Sir... sorry Sir – repetiu sorrindo, num balançar de cabeça, aguardando a assinatura feito um poste. Detalhe: não trouxe caneta. A campainha nos acordando no meio da noite, um garçom à porta, a conta dos lassis para assinar, a falta da caneta: deve ter sido um sonho. Cabe interpretação: por que a conta vem horas depois do pedido? Difícil arriscar um palpite. Achar uma caneta no escuro também.

Mais ainda, quem tenha troco. Nos restaurantes, sejamos justos, troco não é problema, mas comerciantes em geral - incluindo motoristas de taxi e tuc-tuc - dificilmente o têm. À luz do dia, uma hora ou outra, o troco acaba aparecendo, mas tarde da noite ou de madrugada, se transforma num braço de ferro. Ainda temos dúvida se é por astúcia ou desleixo. Talvez os dois, sabe-se lá: na Índia uma coisa raramente exclui a outra. Seja como for, é bom se precaver e andar sempre com um estoque de notas de menor valor na carteira. No mínimo, evita aquela ida do comerciante “logo ali do lado” – à loja do irmão, que foi à loja do primo, que saiu com o tio, que por sua vez foi atrás do cunhado – já viu: a busca do troco é feita à custa adicional de uma espera quase sem fim. Isso quando o comerciante não retorna com a nota com que saiu na mão, aberto em sorriso e negociação, fazendo uma proposta de “amigo para amigo”:

- My friend, let's do something, you take one more piece that you like and I will do a good price for you… you are my friend, if you are happy, I’m happy… 

Ah, quanta felicidade! Uma felicidade sem preço como essa, quem poderia imaginar? Além, muito além, da conta


3 comentários:

Rohit disse...

I am glad that you learnt bargaining .. All of your comments are true and very pure.. 8 glasses of lassis must have been amazing ,...Keep writing and keep sharing it with the world.. Its great to read all those amazing experiences and I hope everyone reading the blog will be enjoying them ..

Anônimo disse...

Claro que tenho lido o Diario. Sinto-me tão envolvida que quem falar mal da Índia perto de mim, está comprando, comigo, um grande "grande arrranca rabo".

Beijos,
Carmen Nice

Anônimo disse...

Adorei o desfecho, sim !
Da conta e da felicidade, ou "da felicidade além da conta", depois da caneta.
Bom era seguir o teu raciocínio até o fim. Dialéctica perfeita, e sem conta !
Prova que tudo na vida é complexo e paradoxal, e necessita da nossa parte,
como você ainda uma vez bem o demostra, uma certa inteligência do quotidiano,
quando não é um puro jogo de cintura do pensamento pra aliar os contrários,
e, com isso ficar contente de feliz !
Adorei mesmo essa nova lição de vida !
Tomara que um dia eu também chegue lá,
com igual bom humor e a fineza sua.
Beijos, e até breve,
Marie-Christine