segunda-feira, 19 de março de 2012

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Lições à mesa indiana (7)



Lição 7:


Pão, na Índia, é visceral e onipresente como a religião. Como os indianos, em geral, comem com a mão – sempre a direita – o pão ajuda a pegar a comida e o molho. No início, a gente que vem de fora, acha que pão indiano é tudo farinha do mesmo saco; mas, aos poucos vai se deparando com tantos nomes, recheios e formas diferentes de preparo, que um dia a ficha cai: o indiano leva o pão tão a sério como os deuses. 

O naan é fermentado e assado no tandoor - tradicional forno de barro – e preparado puro, ou recheado com batata, lentilha, queijo, carne, nozes etc. Preferimos puro (plain naan): feito na hora, quentinho, crocante, é de fazer gemer qualquer um. O chapati (ou roti chapati) – palavra de origem dravídica (família linguística que inclui as línguas faladas no sul da India): de chappa que significa “achatado” – é um tipo de pão feito com farinha de trigo integral (podendo levar açúcar, manteiga, curry, óleo e sal) e cozido numa frigideira. Outro pão tradicional: o paratha, originário do Norte da Índia, mas difundido em várias regiões. De formato achatado, parecido com o chapati, é preparado com óleo de cozinha e geralmente recheado com legumes (batata, couve-flor, rabanete), queijo, ervas e outros condimentos. Depois de cozido em chapa quente ou frigideira, o paratha costuma ser saboreado com um pedaço de manteiga por cima ou acompanhado de chutney (molho picante), pickles e iogurte. A lista de pães não tem fim.

Estorinha engraçada. No início, achávamos que chapati significava “trigo” em hindi. Isso porque, viajando de carro, toda vez que a gente passava por uma plantação de trigo, o motorista apontava o dedo para fora e gritava:

- Chapati, chapati, chapati!
 
- Ah, sim... chapati... trigo! – retrucávamos, levando ao pé da letra as palavras do motorista, sem atentar para o fato de que, na prática, ele usava uma metonímia, tomando a matéria (trigo) pelo produto (chapati). E fomos além, arriscando uma dedução: 

- Vai ver que é por isso que eles chamam pão de chapati.

Pronto, do chapati ao trigo, do chapati ao pão, estava feita a confusão: achamos que chapati designasse indistintamente “pão”. Daí, à mesa, ainda inconscientes das nuances e nomes da panificação indiana, pedíamos sempre ao garçom: 

- Chapati, please!

A gente pedia chapati pensando no naan. E lá vinha o garçom. Em vez do esperado pão puro, branquinho, sequinho, trazia sempre um bem moreninho, todo lambuzado de manteiga. E nós convencidos - cheios de "razão" - que ele tinha trazido o pedido errado: a culpa do chapati em vez do naan era sempre do coitado do garçom.  Até entendermos que chapati não é “pão”, mas apenas um tipo dentre muitos, em referência ao seu formato achatado. Desde então, na hora do pedido, nunca mais pronunciamos seu nome em vão; não que o chapati seja ruim, longe disso, é muito saboroso também: mas quando se tem uma paixão, fica difícil a gente se dividir. Adeus metonímia: o plain naan chega direitinho à mesa, selando a concórdia entre o nome e o pão. 


Restaurante em Delhi: pão assado no tandoor
Plain naan
Chapati
Paratha

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