Uma sala ampla, robusta - arcos e janelas altas, cortinas franzidas, ventiladores de teto, relógio de pêndulo na parede, móveis escuros, toalhas brancas, pequenos arranjos de antúrios sobre as mesas - serviu o café da manhã. Iguarias cingalesas, coloridas e apimentadas, além de banana, mamão e o delicioso lassi, mesclavam-se ao breakfast tipicamente inglês: ovos mexidos com bacon, omelete, lascas de batata cozida, tomates grelhados, torradas, geleias, bolos diversos, café e, naturalmente, black tea. A granola - trazida conosco na bagagem como provisão de sobrevivência -, foi adicionada ao banquete. Pela vidraça, árvores frondosas e o reflexo das montanhas no espelho d'água de Kandy, àquela hora matinal, já emoldurado por um formigueiro agitado e barulhento.
Saímos às ruas: um monge, albino, túnica vermelha, leque de palha, caminhando descalço - o primeiro de muitos que veríamos depois, alguns de sandália. Na estreita calçada, frente à uma joalheria, um rapaz polia ouro e prata, a postos em seu banquinho de madeira: soluções dispostas em cumbucas de plástico cada uma de uma cor, fios elétricos alimentados por pilhas, balde d'água, alicate, escova, flanelinhas.
- Vamos tentar? - perguntamo-nos, confiando-lhe nossas alianças. O rapaz examinou-as com perícia, dando incio a uma alquimia artesanal: as alianças, unidas por um arame, foram banhadas em soluções diferentes até mergulharem num líquido meio turvo, que começou a fumegar.
- Será que estão se dissolvendo? - brincamos ao ver uma fumacinha subir, olhos fixos no líquido borbulhante. Passados um minuto ou dois, o rapaz pescou as alianças, enxugou-as, passou zelosamente a flanelinha e, após submetê-las a nosso exame, mais reluzentes do que nunca, embrulhou-as com capricho num papel de seda. Prova de que profissionalismo não tem endereço certo, pode estar num metro quadrado de calçada. O colar indiano que eu estava usando teve o mesmo cuidado nas mãos do rapaz. Enquanto aguardávamos, um velho falante, pediu para que eu tirasse uma foto sua, e mais uma, e mais outra, quis ver como ficaram, deu risadas, garatujou o endereço num pedaço de papel. A julgar a facilidade com que pedem para ser fotografados, a lista postal promete ser extensa.
Depois disso, pegamos um tuc-tuc até a estação de trem, a fim de comprar os bilhetes para Colombo: prédio art-déco, dois andares, cor mostarda, frisos marrons, elefantinhos pretos e o brasão do Sri Lanka, com o leão. Interessante é ver como cada cultura se apropria de maneira totalmente singular de um estilo estrangeiro: o art déco brasileiro, por exemplo, inovou com figuras indígenas e formas geométricas semelhantes a cocares, e também com nomes de edifícios que exaltam o sentimento de brasilidade (Brasil, Uirapuru, Tuiuti, Itahy, Guahy, Amazonas). Aqui, elefantes e leões. Lá dentro, à altura dos olhos, placas em madeira escura envernizada, com letras pintadas em amarelo, indicam – na ordem: cingalês, tâmil, inglês – o nome, destino e plataforma dos trens; ao lado de cada uma – simulando relógios redondos de parede - ponteiros pretos, ajustados manualmente, indicando os respectivos horários de partida. Um charme só: por mim, os proclamaria Patrimônio da Humanidade e jamais permitiria que fossem substituídos por painéis digitais. De certo, um dia - e não tardará muito -, desaparecerão em nome do progresso: mas ainda é tempo de se sentir um verdadeiro viajante admirando-os na estação de Kandy.
No guichê, depois de muito esforço em entender o “cinglês” [inglês + cingalês], informaram-nos que para aquele dia, os assentos na primeira e segunda classes já estavam lotados, restando alguns na terceira, mas que estes só começariam a ser vendidos a partir das 15h. Procuramos nos certificar de que conseguiríamos comprar para aquele mesmo dia:
- Ok, ok – repetia o funcionário, balançando a cabeça de um lado para o outro, mais parecendo um autômato, bem à maneira daqui. Como ok, em boca de cingalês, pode tanto valer um sim como um não, aplicamos a lição de nossa guia cor de rosa: entregamos para Ganesha e fomos ter com ele no primeiro templo hindu de nossas vidas, enquanto aguardávamos a hora dos ponteiros da railway de Kandy, nosso eterno relógio.
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